Ser regulada resumia Lena. Hora
para comer, hora para estudar, hora para acordar, hora para falar e calar. Mas,
não, isso não a incomodava. Aprendera, desde que se entendia por gente, a
conjugar sua vida, repetindo os radicais. Entretanto, as tardes faziam com que
se lembrasse das exceções. Teca, que presenteava a todos com seu embalo manso
de voz, também aprendeu a seguir regras. As dela vinham com o carimbo de ordem
e, para não comprometer a renda extra por cuidar de menina Lena, nunca deixou
de cumprir a de ouro: “Teca, ponha Leninha para dormir depois do almoço.
Procure ajudá-la nos exercícios escolares quando ela acordar, está bem?”. Para Teca, não
poderia ser melhor. Como tentava conciliar seu estudo em psicologia, o período
vespertino sempre foi uma boa oportunidade de pôr as leituras em dia. Para
Lena, por seu turno, seria ótimo poder enganar o tempo e fazer a manhã tocar a
noite. Era um infortúnio ter que passar pelas tardes...
De vigília, Teca
fiscalizava a menina deitada na cama, de tempos em tempos, nas breves
interrupções de sua leitura. Não lhe ocorria, entretanto, a sofreguidão
descontínua que sua supervisão provocava na menina que não queria dormir. Esta,
em seu raciocínio distorcido do real, supunha que, adormecidas, as pessoas
paravam de respirar. Assim sendo, como prova de que dormia, precisava
socorrer-se, a procura de fôlegos, em harmonia com as inesperadas desviadas de
olhar de Teca. Para a vida regulada de Lena, desrespirar era sua exceção.
Fechar os olhos para a realidade e suas regras era afogar-se; era sentir-se
fora de seu habitat. E, como era de se esperar, isso causava desconforto,
cansava. Se ao menos Teca olhasse para ela nos mesmos intervalos de tempo –
sempre se lamentava a menina –, era possível pensar em estratégias para
aproveitar ao máximo o ar que lhe restava. Mas não...
Durante um tempo de prisão, que
não marca hora e rasteja lânguido, à espreita, estudando a hora de atacar, Lena
se deu conta que não estava mais condicionada à presença de Teca: em qualquer
momento do dia, se o sono se aproximava, era o ar que lhe escapava. Para fugir
do sufocamento do sono que se aproximava, precisou recorrer a qualquer
artifício para despertar, mesmo que brevemente. Banho gelado, café quente,
subir e descer as escadas. Ninguém na casa suspeitara de seu estranho
comportamento, tampouco Lena quisera compartilhar-lhes a razão. Até que esta
passou a ser a sua regra, a que todas as demais estavam subordinadas: não
dormir. Era preciso estar sempre alerta. Era preciso estar sempre atento. Era
preciso estar sempre acordado. Era preciso, enfim, enganar o sono.
Não se sabe como fora possível,
mas Lena atravessou anos e anos vencendo o sono. Vencia, mas à custa de não
distinguir mais se era tarde ou noite. Se chovia ou se fazia calor. Todo dia
era mais um dia. Sentia-se vitoriosa por, mais um dia, ter conseguido respirar.
E sobreviver. Mas...
Um dia, diminuindo o status dessas
conquistas solitárias, Lena ponderou que não bastava essa sobrevida: "Para
que vencer sempre? Eu mereço ceder". E, decidida, preparou seu suco
favorito – “abacaxi com hortelã tem o frescor de novos ares!” –, colocou-o em
uma taça grande com um canudo que imitava um guarda-chuvinha colorido e levou-a
consigo até seu quarto. Fechou as cortinas, sentou em sua poltrona macia
pelo uso correto, bebeu goles generosos de novos ares e acionou a vitrola com a
agulha no ponto: “heaven/ i'm in heaven/ and my heart beats so that i
can hardly speak/ and I seem to find the happiness i seek”...
Ele entendeu o convite e foi
chegando carinhosamente. Repousando a cabeça, Lena voltara a sonhar.