terça-feira, 27 de novembro de 2012

Angina


“Alguma alma mesmo que penada
me empreste suas penas”


Incerto dia, foi acometida pelo roubo de suas metáforas. O médico tinha dado um nome praquilo, e era feminino. E sucumbiu com a sentença dele: era preciso escapar das emoções.

Naquele instante, com tantos instantes dentro, recordava das pilhérias que fazia quando recomendavam horários para preparar o coração. O dela tinha engrenagens naturais, despertava em solavanco. O que sempre lhe custou a falência momentânea do resto do corpo: aquele tempo interno exigia-lhe suas energias. Foi ainda menina que descobriu o abismo de se viver. E, para ela, sua vida era esse flerte com a morte. Vangloriava-se de seu estatuto. Aliás, desde que ouviu pela primeira vez essa palavra ‘flertar’, pelo entreouvido das conversas dos avós, matutava que ela tem o som perfeito para a imagem da flecha que o deus atira: a corda relaxada depois da tensão, o arranhar da flecha que urge por se libertar e – pronto! – o impacto quando atinge o alvo ao se prender de novo. Por isso, tinha até um pequeno aborrecimento quando seus colegas preferiam outras opções, como “cantada”, que impõe fim a qualquer canto...

Essa condição, de penar por sentir, no entanto, preocupava sobremaneira aqueles do peito, que precisavam estar sempre a postos. Principalmente no decorrer dos anos, em que os efeitos do coração-que-bate se intensificaram. Depois do abismo, ela então descobrira como viver em socorro, em que nem sempre se encontra paradeiro. A primeira vez que viu o mar, por exemplo, lhe rendeu uma manhã afogada em si. Foi quando percebeu que teria que viver sem o inesperado, fugindo do espanto de outras primeiras vezes. 

Lamentando sua constatação, resolveu listar os momentos mais intensos pelos quais tinha passado, confrontando-os aos efeitos que cada um tinha provocado em si. Descobria, em função deste ímpeto, que rememorá-los não lhe tirava as forças. Em vez disso, a releitura enganava os arroubos que a aproximavam do chão e orientava como proceder adiante. Passava a conhecer, enfim, uma vida amena, confortável, no meio.

Com os anos, porém, os escritos caminhavam à míngua. E nunca mais precisou ser socorrida. De tanto se clandestinar, passou a ter uma vida transeunte. 


3 comentários:

Liliane disse...

Muito bom, Lan. Palavrar combina ctg.

Tutor Dan: English by your way! disse...

Texto muito bem elaborado, parabéns!

elianemellamigosepoesia disse...

A prof. Nadiana Lima
brinca com as palavras em seu texto: dá-lhes sombra, luz, sentido...
este é o 3° texto q leio e deu pra sentir:
as palavras
ziguezagueiam na nossa frente
(pegando carona no estilo dela)
correm,
param,
nos olham
e nos sorriem,
criam vida,
personalidade
e estilo...

A aluna.