“Alguma alma mesmo que penada
me empreste suas penas”
me empreste suas penas”
Incerto dia, foi acometida pelo
roubo de suas metáforas. O médico tinha dado um nome praquilo, e era feminino.
E sucumbiu com a sentença dele: era preciso escapar das emoções.
Naquele instante, com tantos
instantes dentro, recordava das pilhérias que fazia quando recomendavam
horários para preparar o coração. O dela tinha engrenagens naturais, despertava
em solavanco. O que sempre lhe custou a falência momentânea do resto do corpo:
aquele tempo interno exigia-lhe suas energias. Foi ainda menina que descobriu o
abismo de se viver. E, para ela, sua vida era esse flerte com a morte.
Vangloriava-se de seu estatuto. Aliás, desde que ouviu pela primeira vez essa
palavra ‘flertar’, pelo entreouvido das conversas dos avós, matutava que ela
tem o som perfeito para a imagem da flecha que o deus atira: a corda relaxada
depois da tensão, o arranhar da flecha que urge por se libertar e – pronto! – o
impacto quando atinge o alvo ao se prender de novo. Por isso, tinha até um
pequeno aborrecimento quando seus colegas preferiam outras opções, como
“cantada”, que impõe fim a qualquer canto...
Essa condição, de penar por
sentir, no entanto, preocupava sobremaneira aqueles do peito, que precisavam estar
sempre a postos. Principalmente no decorrer dos anos, em que os efeitos do
coração-que-bate se intensificaram. Depois do abismo, ela então descobrira como
viver em socorro, em que nem sempre se encontra paradeiro. A primeira vez que
viu o mar, por exemplo, lhe rendeu uma manhã afogada em si. Foi quando percebeu
que teria que viver sem o inesperado, fugindo do espanto de outras primeiras
vezes.
Lamentando sua constatação, resolveu listar os momentos mais intensos
pelos quais tinha passado, confrontando-os aos efeitos que cada um tinha
provocado em si. Descobria, em função deste ímpeto, que rememorá-los não lhe tirava
as forças. Em vez disso, a releitura enganava os arroubos que a aproximavam do
chão e orientava como proceder adiante. Passava a conhecer, enfim, uma vida
amena, confortável, no meio.
Com os anos, porém, os escritos
caminhavam à míngua. E nunca mais precisou ser socorrida. De tanto se
clandestinar, passou a ter uma vida transeunte.
3 comentários:
Muito bom, Lan. Palavrar combina ctg.
Texto muito bem elaborado, parabéns!
A prof. Nadiana Lima
brinca com as palavras em seu texto: dá-lhes sombra, luz, sentido...
este é o 3° texto q leio e deu pra sentir:
as palavras
ziguezagueiam na nossa frente
(pegando carona no estilo dela)
correm,
param,
nos olham
e nos sorriem,
criam vida,
personalidade
e estilo...
A aluna.
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