sábado, 30 de junho de 2012

Do ciclo junino


ardo –
em fogo
fátuo –
e expiro

escorro
em gota
árdua
e sublimo

da fagulha,
a cinza
do marulho,
o ar

jazo
em ares:
névoa...
e respiro.



sábado, 16 de junho de 2012

Sobre perder botões


“Pois o só do meu sofrer 
bateu asas e voou
para um lugar
onde o teu cantar
foi levando e me levou”. 
(“Assum branco”)

Poucos sentiam tanto prazer por meio daquela atividade. O ferro passava com carinho em cada cantinho da manga, nas dobras da gola, nos espaços entre as casas abertas. Sorriam-lhe, em adeus, os amarrotados que davam lugar ao pano liso, amaciado com o calor das passagens nem breves nem longas. Era quando a precisão garantia a integridade da camisa, que se mantinha branca. Vesti-la era sentir de novo o abraço dela, já estiado desde o último inverno. Ele podia sentir seu toque, na coincidência das mãos, ao preencher cada casa com seu devido botão. E fazia isso petalamente, aspirando o perfume que brotava de cada um.
La dormeuse aux fleurs (Chagall)

Então abotoado, na breve caminhada rumo ao serviço, ele se guardava do mundo. Num acordo velado com a vizinhança, o branco imaculado que vestia flanava um apelo de paz. Quem o visse, dele desviava em respeito ao seu tempo de caminhar. Sem a violência das perguntas de quem quer bem, sem os alaridos das buzinas impacientes, ele passava por todos intacto. E assim continuou por um longo período. 

Uma vez, quando o que era tornava a ser presente, em descanso de seu automatismo, ele percebeu: sobrava uma casa sem flor. Atônito, recorreu àquelas de reserva e plantou outra no lugar. Ao sair, seguia pelo caminho habitual quando, em estalo, ouviu a primeira buzina. Como reflexo, o susto fez com que ele tocasse na camisa e entendesse que, mais uma vez, a casa insistia em ficar aberta. Apressou os passos, nervoso com o barulho cada vez mais recorrente, sem se dar conta que seu peito ficava cada vez mais à mostra. Em pouco tempo, abertos os ferrolhos, a camisa se agitava ao vento, desbranquecendo. Como rastro de um calor que encontrou  fonte diversa, um caminho florido ia se fazendo atrás dele, em seu encalço. 

Outra estação começava.