quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O prazer é meu

"Meu nome é Nadiana". Repeti essa constatação por toda minha vida, um dos poucos enunciados bem audíveis em meio aos meus silêncios. Mas a certeza com que eu o dizia se comungava com outra certeza: a de que teria que repeti-lo mais uma vez, macaqueando a pronúncia com algum artifício para que fosse melhor entendido: NA-DI-A-NA, com A. Ou mesmo repetindo as respostas-padrão: Sim, tem I. Não, com um N só. É Diana com NA na frente. A primeira incompreensão de mim começava pelo nome. E essa condição me assolava: meu primeiro encontro era pautado pelo não entendimento. Depois de me apresentar formalmente, minhas primeiras palavras ao outro reivindicavam atenção. E a surpresa vinha quando eu não precisava fazer isso... Como remédio, havia decidido abreviar a história: pode me chamar de Nadi. Mas sem perceber, o carinho vinha e eu virava nadinha - de nada. E de nadas eu fui me compondo. E construindo meus nadifúndios, a parte que me cabe, como me ensinou Manoel de Barros. Do nada, meu nome virou elemento de composição: Nadigélsia, Nadijane, Nadivalesca. É que houve, por um tempo, uma disputa informal de alguns ex-alunos queridos pelas melhores ou mais hilárias construções, com as quais me divertia sempre nos inícios de aulas. Até que, depois de uma aula de Botânica, um deles venceu: Nadicotiledônia. O que seria um pulo para Nadicoti, Coti, Cotinha. Ganhei, por fim, um epíteto: Cotinha - a avó. :) Mas isso já é "culpa" de uma amiga, a Feia, uma das poucas que pode ter esse apelido. Havia descoberto que, afinal, é do nada que tudo se constrói. Meu nome era vários, e várias me torno a cada novo nome. A história do de batismo também não é única: meu pai tinha sugerido Nádia, negado com veemência por minha mãe, pelo que ele revivia nela. Minha tia-avó materna era Madiana. Nadiana resultou de uma negação e de uma homenagem. O curioso é que assim esteja sendo em vida, negando alguns nomes e aceitando outros em homenagem, que vão surgindo em forma de apelido. A última delas vem de uma amiga-flor, Liz, que me batizou de azul em chinês: me enchi de imensidão e também me tornei Lan. Meu pai, o Dadzinho, era mi padre nessa arte de batismo: macaquinha, formiguinha, ratinha, fulustreca, cu riscado, bicho carpinteiro, arrupiada etc. Como se vê, todos muito amorosos. A verdade é bem essa, amor têm vários nomes e o de registro só é um. Pensando nesse percurso que começa no nome, lembrei que recebi uma vez esta mensagem, que é um daqueles afagos em palavras:

"Procurei introduzir em seu nome uma letra, N, e que letra! Designa o conjunto dos números inteiros naturais; é símbolo de unidade de força, aponta para o norte, a esperança, o radioso". (Drummond - História de amor em cartas). Lembrei de tu, que tem o N em dobro no nome, antes e depois do 'dia'.

E é com o dia no umbigo do nome que vou me enchendo desses nadas pela vida.

3 comentários:

Liliane disse...

Só digo uma coisa sobre isso de tu escrevendo: tá sempre melhor! :) Amei.

Unknown disse...

Nadi,

Eu li o seu relato com um sorriso no canto da minha boca; e, diante de vários ecos que seu texto produziu no meu corpo, como arrepios e suadeiras, vou destacar esse trechinho que diz muito de ti, Nadi, mas também muito de cada um de nós: "a verdade é bem essa, amor têm vários nomes e o de registro só é um". Olha, eu me estremeci diante de tanta belezura e emoção, pois você simboliza o todo-nada, nada do qual você se produz, se constitui, e nos relata. O nada que te ancora, que nos ancora e que, mesmo sem alcançá-lo, dele, nos produzimos, nos vamos tornando o que somos, nos diferenciando e, sem sombra de dúvida, nos modificando. Pois, veja bem, esse nada também é mutante. Embora, pela seu "caráter" de presença-ausência aparente uma solidez.

Esse teu nada, Nadinha, me lembra muito do que Lacan fala sobre o Real. Eu sou apaixonada por esse conceito, apesar de ainda engatinhar nessa noção. No meu ponto de vista, você é, assim, como Clarice, o Lan - vou brincar aqui contigo - que a muitos é difícil de alcançar; pois, durante o processo de escrita, você vai se inserindo no próprio processo analítico. =)

Um cheiro grande.
Rafa

Laís C. Santos disse...

Nadinha, que de "nada" não tem nada! Que texto maravilhoso! Reflete o seu interior sempre tão sensível e delicado. Amo você de graça!
Outro dia, na faculdade, a professora fez uma dinâmica avaliativa da disciplina. Tínhamos que escrever em um papel "que bom", "que pena" e "que tal", completando com a nossa avaliação. Segue para você a minha avaliação do tempo em que você foi minha professora "formal" (informalmente, continuo aprendendo com você):
Que bom que tive você como professora na adolescência! Você faz parte de quem eu sou.
Que pena que não posso vê-la toda semana, como antes...
Que tal se você continuar espalhando essa sua essência linda para mais pessoas terem a alegria de te conhecer e aprender com você?

Amo você, Nadinha.