“Para conhecer as
coisas, há que dar-lhes a volta, dar-lhes a volta toda”.
(José Saramago, no
documentário “Janela da Alma”)
Cena do filme "Safety Last" |
Se sempre silenciou, deu-se o revertério:
com breves pousos, a palavra tomou gosto de asas e desacostumou de ver listrado.
E, com isso, experimentava o momento por que passam, ao sair, todos que viveram
em casulo: errar a dose. Mas sabia que transitar pelos extremos é a melhor forma
de encontrar o meio. De despalavrada, Caxemira passou a lapidar a voz, em
desgaste. Com o palavreado desenfreado, no entanto, percebeu o terreno árido
por qual percorria. Em tempos de relógio de cuco, quem pode ouvir outro canto
senão o do compromisso? Como dizer em ponto o que só com tempo é possível?
E isso a inquietava. A lembrança
das histórias, que seus pais contavam sobre o porquê de seu nome, sempre a
socorria nesses momentos. Tinham se conhecido em meio à guerra entre Índia e
Paquistão, pela disputa do território do norte da Índia. Avizinhados por seus
braços, enquanto esperavam em uma rodoviária, eles acompanhavam os noticiários
da TV sobre o conflito até que a transmissão foi interrompida por um problema
no gerador de energia. Inicialmente, foram forçados a trocar palavras vazias, mas que foram preenchidas por horas a fio. Descobriram que compartilhavam semelhantes experiências de vida, deram-se conta que percorreram caminhos tortuosos
semelhantes até aquele momento, quando se conheceram, enfim. Era como melado de água em boca sedenta... Caxemira,
que tinha os opostos no nome, recordava essa delicadeza também em seus
aniversários, como celebração do encontro dos pais. Passou a ganhar, vez ou
outra, algum mimo em tecido de seu nome – porque, sim, a lã tornou-se nobre
em sua homenagem, gostava de imaginar.
Talvez, por isso, ao longo da
vida, sempre quis saber o que existe por trás dos nomes, também dos apelidos. Eles
sempre revelam muito sobre as relações das pessoas, sobre o modo como se reage
a um chamamento específico, sobre o que se foi ou que se fica. À pergunta “qual
o seu nome?” pode-se dar uma resposta breve, como no formulário do banco, mas muito
menos significativa para o que se é. E ser
de estado não tem nada. O que, em aparência, é dado e oficial guarda em si um ontem
e o anúncio de adiante. A palavra não serve apenas para o fim, mas também para
os meios. Ou os fins só existem por causa dos meios?
Em seu tempo de quando, divagarosamente,
Caxemira retornava de sua história de guerra e paz. Também ela vivia no embate dos
alarmes. O seu, no entanto, lembrava: é sempre preciso voltar para dentro do
relógio.
*Kashmir (Led Zeppelin) foi o gatilho.