segunda-feira, 19 de março de 2012

Quase

Não sabia como começar. Isso exigiria que soubesse lidar com o fim. E os inícios têm este jeito esquisito de ferir: forçam um passo adiante, mas apaziguado com o que “passou”. Mesmo com esse impasse, o potencial daquela ideia não lhe abandonava. Como dar corpo ao que paira? Pensou em descrever o conceito. Era só reproduzir aquela aula de física, que produzia ecos numa manhã solitária, quando ensinava que a grandeza 'momento de uma força' era o resultado do produto de uma dada força aplicada a extremidade de um objeto (usado para girar um eixo) pela distância deste ao ponto fixo. Ponderou que exemplificar poderia ser uma boa saída: "para trocar um parafuso, aplicamos uma força na extremidade de uma chave para girá-lo. Mas essa força é bem menor se a chave for comprida, se sua ponta for mais distante do eixo. Quanto maior a distância deste, menor a força aplicada por nós, o que resulta em um grande momento". Não, não era uma boa alternativa. Soa frio como uma aula de física. Como dizer o que sentiu? Descartou essa opção e considerou que em um conto poderia caber a sensação que lhe tomava de assalto, que se apresentava em estampa naquele dia. Decidiu, então, que seria bom ter em mente um enredo. De onde partir? Onde se quer chegar? Como ligar um ponto ao outro? Afinal, os esquemas sempre são bons para nortear as ações... Mas como agir diante do que não se prevê? Como enquadrar o que se desconhece? Desistiu. Quem sabe decidir o cenário ajudasse? Isso! Alguém trabalharia, girando uma roldana rústica, pesada e, com isso, abasteceria uma cidade pequena inteira com água ou com energia. Dependeria dele o oásis que daria alento aos sedentos. Uma boa imagem? Oásis no deserto, dependendo de força humana? Como tornar esse fardo leveza? Parou nessa encruzilhada. De fato, não sabia como guiar o conto. Foi vencida por ele. Nesta altura, só conseguia pensar em “realize”, aquele falso cognato do inglês. Percebeu que ela mesma tinha se tornado o caminho, sem realizar nada. Deu-se conta que de real só havia a fôrma de ontem, que não servia para continuar. Seguir em frente exige força, mesmo que seja – ou sobretudo se for? – breve, leve, delicada, em busca de grandes momentos. Mas, como temia, o conto resultou assim: na tentativa de ser um.

Um comentário:

Liliane Cintra disse...

Obrigada, Nadi. Muito obrigada.