domingo, 18 de junho de 2017

Dos esclaros do caminho





Além de dar nome ao filme, Paterson é a um só tempo nome da cidade em que a narrativa se desenrola e nome de seu inusitado morador. Essa sobreposição de referências é uma das chaves iniciais para ler esse belíssimo elogio às miudezas de nosso cotidiano, ansiosas por um olhar de poesia. Somos constituídos pelos lugares que habitamos. Somos habitados pela geografia dessas cidades invisíveis, que fundam caminhos pelos quais agimos no mundo. Alguns deles em preto e branco, como os da personagem de Golshifteh Farahani (do maravilhoso “Procurando Elly”); outros, em nuances que se refletem em pequenas telas de vidro (da janela do ônibus, da caneca do bar, do visor do relógio...), como os do personagem de Adam Drive (que vem chamando minha atenção depois do inesquecível “Frances Ha” e do bom “Enquanto Somos Jovens”. Ainda não vi "Silêncio"). Os dois formam o casal que vai costurando os dias que passam... uma passagem lenta, rotineira, mas entrecortada por sobressaltos que desafiam o andar costumeiro, o modus operandi do já-sei. Ao longo da semana, com a sensibilidade de quem aprendeu a dar passos tortos por essas outras cidades, Paterson vai colecionando alguns vagalumes, que o fazem perceber escondido, no arranjo dos letreiros da caixinha de fósforos, por exemplo, um megafone que anuncia a chama diária que acalenta aquela particular vida a dois. É uma caixinha de fósforos que acende um poema de amor; que faísca uma imagem que o acompanha ao longo do percurso ao trabalho e que é pensada em verso no exato momento em que surge um casal de gêmeos (dos “matches”), um dentre vários outros. Essas pequenas luzes vão guiando o habitante-cidade, “o motorista de ônibus que lê Emily Dickinson”, a novos encontros, a novas dores, a novos recomeços. É uma boa sensação acompanhá-lo do lado de cá da tela, mas mais ainda é tentar aprender, como ele, a nos espantar com o caminho.

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